Saturday, August 04, 2007

Passeio

Ele descerá uma lomba da Altos da Bronze pensando que as ruas poderiam ser mais limpas e as calçadas melhor conservadas, mas que ainda assim tudo está bonito, bonito pra ele. Chegará à Praça da Alfândega e com os mesmos olhos que sempre se deixam fisgar vai admirar a bela arquitetura do prédio do Safra. Lembrará então do prédio do Santander. É preciso vê-lo. Dirá Oi, Drummond, tchau, Quintana... continência para o homem verde em cima do cavalo verde, e vamos indo. Neste dia estará imune à tristeza dos habitantes da praça. Crianças sujas estarão cheirando cola, homens desocupados estarão vendo com olhos embaçados um pastor com uma bíblia na mão que berra a plenos pulmões Por que Deus disse isso, por que Deus disse aquilo, arrependei-vos, pecadores! Um pouco mais de sujeira (Oh, quando isso vai ser como na Europa?), e então a construção que parece Ter sido lapidada ali mesmo, a partir de um gigantesco bloco de granito. Existirá no mundo coisa mais sólida? Olhará demoradamente sentindo inveja da ciência dos homens que idealizaram uma obra assim. Pensando em gruas, guindastes e escravos egípcios continuará a caminhar. Sete de Setembro e eis os pombos. Woody Allen atirava em pombos da sua janela em Nova York, pombos têm pulgas e fazem cocô no lindo prédio restaurado da Prefeitura, pombos escondem a fonte Talavera e iniciam uma revoada que pontilha o céu e inspira uma foto quando o estampido de um fogo de artifício faz eco nos edifícios do Centro, pombos alegram as crianças que tentam sem sucesso pegá-los e pombos estarão ali, nesse dia, tão indiferentes quanto sempre estiveram. Se dará conta de que está no marco zero da cidade e não poderá evitar o pensamento insistente de que em tudo há um significado, uma lição, um sinal, uma resposta... Mas não encontrará e pelo menos esta angústia deixará aos pombos, que é claro, não precisam de angústias. Será um dia quente do verão portoalegrense. O relógio digital estará com defeito e marcará 88:88. Ele dirá pra si mesmo eis a grande hora e depois dirá também chega de tiradas espirituosas, chega de exercícios diários pra manter o passo. Que calor, meu Deus! Ele dirá eu quis ser Stevenson, Conrad, Jack London... Rimbaud, mas eu já não suporto o calor. Pensará em como as outras pessoas conseguem viver sendo um arremedo de homens de verdade. Lembrará de como esteve sozinho nos últimos dias do ano que passou e da sensação mais intensa do que nunca de perda de massa, de vínculo e de certeza. O fim do ano foi barra.

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