Friday, April 27, 2007

Meu amigo Gô

Eu tive um amigo muito louco. Fez todas as festas, experimentou todas as drogas, comeu muita gente... era um cara bonito. Serviu na Marinha e acho que nunca trabalhou (no que estava muito certo, o mundo é que tá errado pra quase todo mundo). Me apresentou as bandas Carcass e Canibal Corpse. Me deu todas as Love and Rockets que saíram no Brasil (raríssimas vezes me deram um presente tão bom). Tinha um brilho nos olhos e não apenas quando curtia umas carreiras. Uma vez brigou comigo por que eu fiz uma HQ na qual o Lobo e o Wolverine começavam se pegando no pau e acabavam se beijando, casando e abrindo uma lojinha sado-masô. Alguns anos depois acho que ele reavaliaria este caso.
Uma vez bateu no meu apê, lá na Protásio, e disse "vamos pra Três Coroas visitar o templo budista". Eu disse sim, pois estava há meses desempregado e pensando em congelar meu corpo até o ano 2100, pelo menos. Fomos. Chegamos a Três Coroas no fim da tarde e subimos a montanha. No meio do caminho começou a chover e de repente escureceu. Eu tive uma crise de asma e estava sem bombinha. Quando chegamos lá em cima fomos recepcionados por três buldogues com caras nada budistas.
- Tenho medo de cachorro - eu disse.
- Fica tranquilo, eu tenho o poder da mente - disse o meu amigo.
É... tudo bem, mas eu não tenho. Pensei comigo.
Mas passamos incólumes. Uns norteamericanos de cuidavam do lugar vieram conversar com a gente (um deles parecia o Highlander)
- Eu e o meu amigo viemos conhecer o templo - eu disse - Vai ser ótimo ficar uns dias por aqui, já que a hospedagem e a comida são de graça, amigo budista.
Mas não, ao contrário do que o meu amigo afirmara, a comida e a hospedagem não eram de graça.
E agora?
Os americanos foram gentis e nos ofereceram carona até Taquara, onde poderíamos pegar um ônibus de volta. Adeus Riponchê, adeus energias telúricas, adeus uma, duas, três coroas...
No caminho meu amigo começou a conversar com um dos dois budistas.
- Pois é... eu vim aqui pra convencer o Riponchê que o lance não é o Budismo e sim o Taoísmo.
O cara olhou pra nós.
Eu disse - não tenho nada a ver com isso, essa é a opinião dele - e era mesmo, eu nem sabia da história.
O Riponchê morreu alguns anos depois, provavelmente sem ter descoberto o quanto o Taoísmo era melhor que o budismo.
Mas no caminho eu pensava com meus botões ainda molhados: como a gente vai voltar pra Porto Alegre se não temos dinheiro pra passagem?
Quando descemos da picape eu disse pro budista que não tínhamos dinheiro e perguntei se ele não estaria interessado em comprar um livro que eu trouxera comigo (Os Trabalhadores do Mar, do Victor Hugo, um dos romances mais bonitos que eu já li). Ele respondeu que a leitura dos budistas se resumia aos livros da filosofia de Buda, mas perguntou de quanto precisávamos e deu umas três vezes mais do era necessário. Quase virei budista na hora.
Fomos então à rodoviária. Surpresa!!! Não tinha mais ônibus pra "Capitar". Só às 5 da matina. Mas nos aconselharam a tentar alguma coisa na Faculdade de Taquara, lá havia uns ônibus que levavam alguns alunos que residiam no Vale do Sinos. Beleza! Lá fomos nós. Mas novamente Não! "Os ônibus são fretados pelos alunos, eles não vão gostar de ver estranhos... vão se sentir inseguros, blá, blá, blá...".
Fomos pra um barzinho onde rolava uns agitos. Bebemos e jogamos snooke até sobrar o dinheiro exato pra passagem. Quando tudo acabou fomos pra rodoviária dormir nos bancos duros e frios. E tava frio! Às cinco da madruga chegou o ônibus. Tri moderno... no século retrasado. Mas pelo menos era quentinho e podíamos nos estirar nos bancos. Outro engano! Acordei sendo cutucado por um trabalhador de cara amassada que me pedia um espaço pra sentar. O bus tava atrolhado, às cinco da manhã!!!
Chegamos em Porto Alegre uns cacos! Mas finalmente em casa. Como é bom a casa da gente, né?!!!
Meu amigo continuou pirando por mais alguns anos, até que um dia tomou uma overdose de Ectasy numa festa rave.
Lembro que ele sempre falava de uma guria da Playboy com quem ele tinha transado. Acho que era apaixonado por ela. Fico pensando se ela chegou a saber que ele morreu. Não sei... mas eu e mais alguns amigos, é certo, ainda sentimos saudades daquele maluco.

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